Relação ficar

por Dra. Maria Alves de Toledo Bruns*

A lógica do “ethos” atual é consumir. Objetos, afetos, pessoas podem ser reciclados. Da calça jeans que vira saia ou bolsa aos casamentos sucessivos. Respeitando a classe social, o ritual do casamento insere-se na lógica do espetáculo. A festa consagra o momento das celebridades presentes. Um luxo emocional, efêmero, volátil. A indústria casamenteira movimenta milhões de reais para garantir o espetáculo ao gosto do freguês, que corre o risco de no momento do pagamento da última prestação, já ter trocado de parceiro(a). Uma vez fui a um casamento em que a noiva usava uma reciclagem do vestido que usara no seu primeiro casamento. Nos relacionamentos a reciclagem é imediata – adolescentes e adultos vão adequando os códigos ao momento atual. Os adolescentes categorizam as garotas assim: as beijáveis, as ficáveis, as namoráveis e as casáveis. Entre os rapazes que já saíram da fase da adolescência, há o a turma dos “te cuida”, cuja decodificação quer dizer “não conte comigo”, “eu não vou dar continuidade ao nosso encontro”, mesmo que ambos tenham percebido que o encontro foi muito prazeroso. Há também o código “te ligo”, seu significado é o seguinte: “não me telefone”, “não me procure”, por favor! A mulher que não respeitar esses códigos corre o risco de sofrer sucessivas decepções. Os vínculos afetivo-sexuais seguem a lógica das paixões consumistas. Nos dizeres de Gilles Lipovetsky, a compulsão presentista é uma fuga em face de um mundo desprovido de futuro, é um escape da angustia existencial. Dessa perspectiva, os vínculos afetivos estão sendo cada vez mais ameaçados pela cultura da imediatez, a qual não oferece “ferramentas” para os indivíduos suportarem a solidão, a depressão, a ansiedade, o stress, entre outras doenças psicossomáticas. Afinal, nossa existência não é um parque de diversão! Felizmente ainda não aprendemos a viver sem afeto. Afeto é condição essencial para estruturar, “equipar” nosso aparelho psíquico. Sinto que precisamos atribuir atenção especial à nossa poupança de afeto.

*Dra. Maria Alves de Toledo Bruns é líder do Grupo de pesquisa Sexualidadevida e co-autora do livro “Educação Sexual pede Espaço: Novos horizontes para a práxis pedagógica”, editora Omega.


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