A infância machucada

Por Dra. Maria Alves de Toledo Bruns*

A violência intrafamiliar, ou seja, os maus tratos dirigidos à criança, ao adolescente e à mulher, no seio da família, não é, infelizmente, um fenômeno recente. O que é recente, no entanto, é a visibilidade dessas práticas, que ocorre pela denúncia de familiares e é divulgada pela mídia falada e escrita. Ocupando destaque, seja nas pesquisas científicas, seja na mídia impressa ou virtual, as denúncias semanalmente expõem a realidade vivida no universo familiar. O pai é o ator principal dessa peça: A infância machucada.

A incidência de abuso sexual intrafamiliar é de 85% enquanto no âmbito extrafamiliar é de 15%. Isso significa que o agressor pertence ao núcleo familiar da criança. Estudo do Centro de Referência da Criança e do Adolescente (Cerca), em São Paulo, aponta o pai como o principal agente da violência doméstica nos 118 casos registrados de abuso: 32,9% apontam o pai; 19,5%, os parentes (avôs, tios, primos); 19,2%, os padrastos; 14,2%, vizinhos e 10,8%,conhecidos.

Considerada um fenômeno complexo, a violência doméstica se caracteriza pela ação de força física e/ou do poder de persuasão psíquica, emocional e/ou sexual deferida por um pai contra a criança. Atos libidinosos compõem o enredo dos abusadores: um jeito mascarado de se ocultarem. As “marcas físicas” denunciam e revelam quem são. No entanto, a criança internaliza essa nefasta experiência cujas cicatrizes atingem-lhe a alma e ressecam seus sonhos, projetos e sensibilidade.

No entanto, essa crua realidade é velada – a não ser pelos casos que chegam até o Cerca, são práticas mantidas em segredo pelos próprios familiares. Trata-se, de fato, de um fenômeno complexo que envolve todas as classes sociais, graus de escolaridade e graus de parentesco. Refletir sobre o lugar que a infância ocupa na nossa vida é essencial. É na infância que “as peças de nosso teatro interno”, os complexos cenários psíquicos, são originados. Para McDougall(1999),a infância retém os primeiros enredos de diferentes peças sobre as quais o “eu” representa seus dramas ocultos, roteiros e personagens que constituem nosso repertório psíquico. As primeiras cenas da história psicossexual de cada ser humano são edificadas na infância. Cenas que nos acompanharam por toda nossa existência. A infância, enquanto fase do desenvolvimento, “armazena” os exemplos de cada adulto responsável pela criança: pai, mãe, parentes, cuidadores, professores, entre tantos outros.

Desse modo, cada um de nós pode contribui para formação de um adulto capaz de compreender o lugar que uma criança precisa e/ou deveria ocupar na família, na escola e na sociedade. A infância espelha o projeto que cada sociedade cria e recria no decorrer de sua história.

* A Dra. Maria Alves de Toledo Bruns, é pesquisadora, escritora e Líder do Grupo de Pesquisa sexualidadevida/USP-CNPq.


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